Doce que nem pimenta carismático, mas também polêmico, o monge Marcelo Barros considera o diálogo entre as religiões a sua principal missão. Prior do Mosteiro da Anunciação do Senhor (o prior é uma espécie de coordenador), em Goiás Velho (GO), o irmão beneditino Marcelo Barros tem pulso firme, e não teme assumir suas posições críticas. O mosteiro apóia dois acampamentos de trabalhadores rurais sem-terra. As portas do 287mosteiro estão sempre abertas e, nas missas de domingo, são os leigos que dão a comunhão aos monges.
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Por onde passo, escuto a pergunta: "Dizem que a Teologia da Libertação está morta. É verdade?”. Quase todos se refugiam em um impessoal "dizem”. Poucos assumem que eles/as mesmos/as pensam isso. Há alguns anos, personagens da cúpula católica declararam que a Teologia da Libertação tinha morrido. Disseram isso para expressar que estavam livres de um problema incômodo.
Teologia que interessa ao mundo
Marcelo Barros
Monge beneditino e escritor
Afirmaram a morte desse caminho espiritual mais para desejar que isso aconteça do que por estarem convictos de que fosse real. Entretanto, como, nas últimas décadas, as Igrejas parecem mais conservadoras e mais centradas em si mesmas, alguns concluem que, por isso, não existe mais essa relação entre fé e compromisso social.
Por tudo isso, vale a pena recapitular: Chama-se "Teologia da Libertação” toda reflexão que liga a fé e a espiritualidade com o compromisso de transformar esse mundo e servir às causas da justiça, da libertação dos oprimidos e da paz. Estamos celebrando os 40 anos do surgimento desse tipo de reflexão teológica na América Latina. Em 1971 aparecia no Peru o livro "Teologia da Libertação” de Gustavo Gutiérrez, seguido de outros escritos. No Brasil, Rubem Alves e Richard Schaull, professores do Seminário Presbiteriano de Campinas, foram pioneiros nesse tipo de reflexão. Foram perseguidos pela ditadura militar e incompreendidos pela hierarquia de sua Igreja. Na Igreja Católica, Leonardo Boff, Hugo Assmann e outros jovens trilharam o mesmo caminho.
Desde o começo, a Teologia da Libertação se diversificou em vários ramos e setores. Alguns autores aprofundaram mais a relação entre o compromisso cristão e a economia. Outros pesquisaram como aplicar à Teologia alguns conceitos vindos da análise da realidade, feita pelos socialistas. Homens e mulheres aprofundaram uma leitura da Bíblia a partir da realidade do povo. O que fez de pensadores tão diversos companheiros de uma mesma causa foi o compromisso de sempre tomarem como base a realidade de sofrimento injusto dos empobrecidos para servirem à sua libertação. Eles e elas elaboraram uma teologia que expressa a fé com palavras atuais e de modo a ser melhor compreendida pelo homem e pela mulher de hoje. Pela primeira vez, a teologia passou a interessar a muita gente do mundo inteiro, independentemente das pessoas terem ou não fé religiosa. Muitos jovens e intelectuais passaram a sentir-se ligados à caminhada cristã.
Na América Latina, durante séculos, o Cristianismo tinha legitimado a política injusta dos poderosos desse mundo. Com algumas exceções honrosas, desde a colonização, a maioria dos padres e pastores foi cúmplice da escravidão dos índios e negros. A Teologia da Libertação transformou isso. Não com discursos sobre a libertação, mas com um novo modo de fazer teologia a partir da realidade e em permanente contato com os movimentos populares. Esse método da teologia da libertação continua hoje vigente nas teologias indígenas, negras e feministas. Também, com toda razão, a categoria pobre e oprimido pode ser usada em relação à Terra e à natureza. Por isso, a Eco-teologia é uma expressão atual da Teologia da Libertação.
Não tem sentido discutir se, por acaso, a Teologia da Libertação morreu, quando as correntes nela engajadas já realizaram três fóruns mundiais sobre Teologia e Libertação e preparam um próximo. Quem entrar em qualquer livraria mais sortida descobrirá vários livros escritos recentemente a partir dessa corrente. De qualquer modo, é claro, o importante não é a Teologia da Libertação. É a própria caminhada da libertação, hoje, sempre mais atual e necessária não apenas na América Latina, mas para todo o mundo.
Quem procura viver a espiritualidade ligada à realidade da vida tem na Teologia da Libertação uma boa ajuda para aplicar à nossa realidade a palavra de Jesus: "Quando vocês virem essas coisas começarem a acontecer, levantem as cabeças. É a libertação que se aproxima” (Lc 21, 28). Adital.
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Vocações ministeriais bloqueadas Franz Wieser*
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O problema não é falta de vocações, mas os condicionamentos em que o sistema dominante as enclausura chamando e atribuindo a si tradições e poderes que deixam de lado a tradição apostólica e a única lei em vigor para os discípulos de Jesus: o amor.Que outra coisa são as vocações dentro da corporação baseada em Cristo, se não os talentos (Mateus 25:14-30) conforme Deus os distribui, os carismas, dons gratúitos do Espírito de Deus em função da edificação deste corpo de Cristo? Embora sejam diferentes como os membros de um corpo, quer em termos de sua importância, quer em suas funções, o que, afinal, tem valor diante de Deus, é que pessoa os administre, cada um com a sua capacidade (1 Coríntios capítulo 12, 13 e 14; Ro 12:3-8).
O que em princípio se deve ter por certo é que os talentos, os carismas, ou seja, a vocação, não é dada pelo papa ou por um bispo, mas por Deus, pelo Espírito de Deus que sopra onde quer, sem distinção de sexo ou estado de vida. É óbvio que são as igrejas de base, as comunidades locais, cujo poder de "examinar tudo e ficar com o que (em consciência) considerem autêntico" (1 Ts 5.21), que devem promover e escolher seus ministros, seus pastores e distinguir entre profetas falsos e verdadeiros, como era costume nos primeiros séculos do cristianismo.
O que, de acordo com Bernhard Häring, é inaceitável é que os superiores (termo anti-evangélico) se atribuam o poder de "ditar ao Espírito da Liberdade os canais e as condições em Ele deve agir", ou seja, exclusivamente em varões solteiros. Chegar a este absurdo, pretender colocar-se acima de Deus, revela a ausência total daquele zelo pela causa de Jesus que caracterizava São Paulo, quando ele argumentava contra a rivalidade, dizendo: "Que Cristo seja anunciado, é nisto que me alegro", seja com boa ou má intenção (Fil1 ,15-18).
Além disso, ninguém fala de "sacerdotes". Jesus, um judeu até o final de sua vida, não estabeleceu qualquer novo sacerdócio ou sacrifícios, a não ser a misericórdia (Mt 9,13), nem a necessidade de templos (Jo 4.23). Para Jesus, Deus é imediato e não exige intermediários sagrados. Seu templo somos nós. Jesus enviou os apóstolos e discípulos para anunciar a Boa Nova. Nenhum deles, como Jesus, féis à religião judaica, se apresentava com sacerdote. A chamada sucessão apostólica é uma invenção que não tem base na tradição primitiva.
Sabemos que no princípio quem presidia a Ceia do Senhor eram homens ou mulheres de prestígio, pais ou mães em suas casas, sem se considerarem uma espécie de magos, cujos gestos ou palavras produzissem "ex opere operantis” (pelo poder dessa pessoa) o milagre da transubstanciação. Eram jantares ou ceias comunitários, num clima de amizade, sinais de entrega de suas vidas no estilo da Última Ceia do Senhor.
A lei do celibato é apenas uma de uma série de atribuições impostas ao "sacerdócio" católico que marcam algumas vidas muito particulares. Contudo, não só o ministério na Igreja, mas também todo este sistema hierárquico piramidal de poderes de alguns irmãos na fé sobre as bases, exige um reinício com base nos Evangelhos e na tradição apostólica e é a partir destas que se deve agir. Já se falou e escreveu o suficiente. Tudo podemos esperar do Espírito de Deus se nos deixarmos guiar por Ele.
*Franz Wieser, missionário alemão no Peru há mais de 40 anos. Padre casado.
Documentos do Concílio Vaticano II – “Gaudium et Spes”
A dignidade da Pessoa Humana
26. A interdependência, cada vez mais estreita e progressivamente estendida a todo o mundo, faz com que o bem comum - ou seja, o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e fàcilmente a própria perfeição - se torne hoje cada vez mais universal e que, por esse motivo, implique direitos e deveres que dizem respeito a todo o género humano. Cada grupo deve ter em conta as necessidades e legítimas aspirações dos outros grupos e mesmo o bem comum de toda a família humana.
Simultâneamente, aumenta a consciência da eminente dignidade da pessoa humana, por ser superior a todas as coisas e os seus direitos e deveres serem universais e invioláveis. É necessário, portanto, tornar acessíveis ao homem todas as coisas de que necessita para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, casa, direito de escolher livremente o estado de vida e de constituir família, direito à educação, ao trabalho, à boa fama, ao respeito, à conveniente informação, direito de agir segundo as normas da própria consciência, direito à proteção da sua vida e à justa liberdade mesmo em matéria religiosa.
A ordem social e o seu progresso devem, pois, reverter sempre em bem das pessoas, já que a ordem das coisas deve estar subordinada à ordem das pessoas e não ao contrário; foi o próprio Senhor quem o insinuou ao dizer que o sábado fora feito para o homem, não o homem para o sábado. Essa ordem, fundada na verdade, construída sobre a justiça e vivificada pelo amor, deve ser cada vez mais desenvolvida e, na liberdade, deve encontrar um equilíbrio cada vez mais humano. Para o conseguir, será necessária a renovação da mentalidade e a introdução de amplas reformas sociais.
O Espírito de Deus, que dirige o curso dos tempos e renova a face da terra com admirável providência, está presente a esta evolução. E o fermento evangélico despertou e desperta no coração humano uma irreprimível exigência de dignidade.
O Concílio aponta a missão do cristão na construção de uma sociedade mais justa e fraterna que supõe sua atuação efetiva nas estruturas sociais intermediárias – associações profissionais, movimentos eclesiais, meios de comunicação social, sindicatos, partidos políticos, campanhas cívicas e tantas outras orientadas à promoção do bem comum e à denúncia de tudo que conspira contra ele.
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